segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Manicómio

Manicómio: é apenas assim que consigo resumir aquilo que tem sido a última semana do Sporting. Só neste clube é que, dias após a conquista da Taça da Liga, estando em 1º lugar à condição no campeonato (agora já não), estando nas meias-finais da Taça de Portugal, estando ainda nas competições europeias, tendo o campeonato no de futebol feminino no bolso (agora ainda mais), estando na luta no futsal (incluindo na Final Four da UEFA Futsal Cup), andebol, hóquei em patins e vóleibol e estando a fazer uma excelente carreira europeia no ténis de mesa, é possível instalar-se um clima de guerra civil por assuntos que - perdoe-me quem pensa o contrário - são pouco mais que insignificantes. Um clima de guerra civil que tem vários culpados.

Parte da responsabilidade pode e deve ser imputada ao presidente. Não consigo compreender como é que, ao fim de 5 anos, Bruno de Carvalho continue a não conseguir (ou se consegue, não querer saber) antever a reação da generalidade dos sócios às suas propostas e decisões. Das duas, uma: ou é mal aconselhado, ou então é bem aconselhado e não liga nenhuma aos conselhos que lhe são dados. Seja um ou outro o caso, o que é mais frustante para mim, enquanto admirador de todo o trabalho que tem vindo a fazer, é que o nível de irritabilidade existente nos sócios face a Bruno de Carvalho tem sido alimentado quase exclusivamente por assuntos irrelevantes e que facilmente poderiam ter sido evitados. Depois há a questão do feitio: tem dificuldades em aceitar as críticas - mesmo as razoáveis -, reage publicamente demasiadas vezes e, em várias das vezes em que o faz, acaba por deitar ainda mais gasolina para a fogueira. Não acho que tenha que se justificar educadamente - até porque, muitas vezes, o problema está em quem não percebe o sentido de determinadas decisões -, mas também não se deve defender atacando os sócios que não concordam consigo. O silêncio também é uma opção (muito) válida.

Depois há a parte da responsabilidade dos adeptos. Parece-me que existe entre os sportinguistas um qualquer complexo anti-carneirada que gera indignações por tudo e por nada. Alguns com agenda, que sabem como puxar os cordelinhos de uma multidão maior, outros só porque sim, para demonstrarem (sabe-se lá a quem) que pensam pela sua cabeça e não são daqueles que papam aquilo que o presidente lhes quer vender. 

Não existe melhor exemplo do que a proposta de alteração de estatutos apresentada na semana passada. Li atentamente todas as alterações e havia, de facto, um ponto que necessitava de ser alterado. Houve muitos sportinguistas que contestaram esse ponto, essa contestação foi ouvida, e rapidamente a alteração foi feita. Portanto, os órgão sociais fizeram aquilo que se impunha, mas, extraordinariamente (ou talvez não), a indignação manteve-se nos círculos do costume, onde se começaram a agitar bandeiras anti-ditadura. E foi assim que uma AG que deveria ser de rotina passou a ser encarada como vital para o futuro do clube. A incompetência do presidente da AG acabou por ser o rastilho final para que o barril de pólvora explodisse violentamente.

Bruno de Carvalho tem tomado algumas decisões que, legitimamente, levam as pessoas a questionar se não se estará a exceder nas funções que o cargo lhe confere. Refiro-me, por exemplo, à atribuição de um cargo de direção à esposa - desconheço se tem ou não competências para essas funções, mas é algo que não fica bem a nenhum líder de organizações que não sejam de natureza familiar - ou ao vídeo apresentado no estádio em que anunciou que iria voltar a ser pai - que é um assunto da sua vida privada que não diz respeito aos sportinguistas. Mas não vi, até ao momento, nenhum abuso ao nível das perseguições que dizem existir em relação a alguns sócios. Considerando o dano que muitos sportinguistas causaram no passado (e que continuam a causar) - dos quais o episódio de Pereira Cristóvão e a aliança a rivais para conspirar contra esta direção são os exemplos mais nojentos -, penso que a aplicação do regulamento disciplinar apenas tem pecado por escasso. E não seriam estas alterações aos estatutos que iriam mudar o quer que fosse nesse sentido, pois as ferramentas necessárias já existiam.

Não é difícil perceber que considero que Bruno de Carvalho é o melhor presidente que o Sporting pode ter neste momento. Pode haver alternativas, claro, pois o universo sportinguista é amplo e diversificado, mas acham que vai ser fácil encontrar uma pessoa tão dedicada como este presidente tem sido ao longo dos mandatos para que foi eleito? Acham que vai ser fácil encontrar alguém que esteja disposto a expor-se de forma igual na luta pelos interesses do clube e que tenha capacidade para aguentar semelhante perseguição de que foi alvo na sua vida pessoal? Acham que vai ser fácil encontrar alguém que consiga fazer tanto em tão pouco tempo? É para mim tristemente hilariante ler pessoas a dizer que "o Sporting não lhe deve nada", que "o Sporting sobreviveu 107 anos sem Bruno de Carvalho, pelo que continuaria a existir sem Bruno de Carvalho". Só podem ser pessoas com problemas de memória, porque o Sporting, tal como o vemos hoje - um clube que luta em todas as frentes em todas as modalidades, que apresenta lucros sistemáticos, que recuperou a posse dos seus principais ativos (os atletas), que tem hoje mais património, e que ainda ontem venceu dois títulos europeus - não existiria sem Bruno de Carvalho. O trabalho feito em cinco anos é suficientemente notável só por si, mas ainda há duas dificuldades adicionais que não podem ser esquecidas ou ignoradas: foi realizado enfrentando uma feroz oposição de adversários corruptos - ou têm estado distraídos em relação às revelações feitas nos últimos meses? - e minado por sportinguistas que não ainda não conseguiram lidar a queda da dinastia anterior ou que não perdoam a atual direção por não lhes ter dado o poleiro que pretendiam.

Duvido que Bruno de Carvalho se demita. Se por acaso se decidir demitir, suponho que seja para se recandidatar, mas isso será uma má ideia: vai colocar o clube numa situação de instabilidade num período crítico da época, e não vai conseguir reforçar a sua legitimidade - duvido que voltasse a alcançar uma vitória tão esmagadora caso fosse agora a votos. O que espero que faça é que tente perceber o que não está a correr bem e procure corrigir o que pode ser corrigido, continuando a trabalhar em prol do clube com o mesmo nível de dedicação e competência. O Sporting e os sportinguistas (mesmo que alguns nunca venham a ser capazes de o reconhecer) agradecem.