quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Um pequeno-grande passo

Longe vão os tempos em que ficava com um nervosismo quase incontrolável nas horas que antecediam jogos da Liga dos Campeões contra grandes clubes europeus. A conjugação das pesadas derrotas com o Bayern naqueles fatídicos oitavos-de-final e da prolongada ausência do Sporting da competição nos anos que se seguiram, ajudaram a cultivar um trauma profundo na psique coletiva sportinguista que marcava invariavelmente presença - e em força - neste tipo de jogos. Gradualmente, com a capacidade demonstrada pelo Sporting para defrontar os maiores emblemas europeus de olhos nos olhos nas últimas participações do Sporting na Liga dos Campeões, esse nervosismo pré-jogo foi baixando para níveis normais. Faltava, no entanto, materializar a qualidade exibicional e a atitude competitiva em algo mais que derrotas tangenciais.

Ontem foi o dia. Não vencemos, é certo, mas não há nada a apontar à exibição da equipa. Numa partida globalmente equilibrada e em que não abundaram oportunidades de golo em ambas as balizas, os jogadores do Sporting revelaram ambição e disposição para deixarem tudo em campo. Arrancaram para uma exibição de grande categoria na primeira parte, que valeu uma vantagem merecida no marcador. Na segunda a história foi diferente: a Juventus puxou dos galões de vice-campeã europeia e foi atrás do empate, mas a equipa demonstrou que, apesar das várias ausências por lesão, também sabe sofrer e manter-se coesa sob pressão.





Há empates que podem ser moralizadores, e este é um deles - qualquer análise que se faça ao jogo convém incluir o seguinte facto: o Sporting, sem três quartos da defesa habitualmente titular e sem o seu trinco titular, disputou até final a vitória contra o vice-campeão europeu, que se apresentou em Alvalade na máxima força. E, ao contrário do que tem acontecido nos confrontos com os tubarões europeus nas últimas duas épocas, desta vez... não perdemos. Pode não parecer muito, mas na realidade é um pequeno-grande passo que há muito merecíamos, e que acaba por ser uma consequência da crescente experiência e maturidade que a equipa foi conquistando no confronto com este tipo de adversários.

As segundas linhas a chegarem-se à frente - felizmente, os (legítimos) receios que os sportinguistas tinham à partida para este jogo - devido às ausências de peso anunciadas - revelaram-se infundados: todos os jogadores que entraram no onze, sem exceção, estiveram à altura das exigências. Começo por destacar a grande exibição de Ristovski que, defensivamente, realizou uma partida exemplar e fez esquecer Piccini. Ofensivamente, não foi o jogo mais propício para mostrar o que sabe fazer, mas não foi por falta de tentativa - na primeira parte pediu várias vezes a bola aos colegas, e nas poucas vezes em que esta lhe chegou aos pés, mostrou sempre ter (bom) critério na decisão e execução. Jonathan Silva não comprometeu - o que é uma evolução assinalável em relação às prestações mais recentes -, e saiu-se bem nas difíceis situações de 1x1 face a Cuadrado. André Pinto limpou quase tudo na sua área de ação. No único lance em que foi batido por Higuain, a Juventus marcou, mas era uma jogada muito difícil de anular. Bruno César esteve muito bem enquanto teve pilhas, mas infelizmente esgotaram-se cedo - a partir dos 30 minutos eram visíveis as dificuldades do brasileiro em se reposicionar defensivamente quando perdíamos a bola. Palhinha entrou para o seu lugar e fez aquilo que lhe foi pedido. Sinal de que o plantel do Sporting é mais profundo do que aquilo que se pensaria? É possível que sim, mas há que dar continuidade à sua utilização, através de uma rotação mais criteriosa que lhes dê condições para renderem e não se sentirem elementos estranhos em relação ao resto da equipa.

Os suspeitos do costume - voltámos a ter alguns vislumbres do grande Gelson, o extremo que, para além de ser incansável a ajudar defensivamente o seu lateral, tem capacidade para desequilibrar na frente. O slalom no lance do golo é uma delícia. Battaglia voltou a conseguir anular Dybala, enquanto Bruno Fernandes e Acuña voltaram a aliar uma enorme capacidade de trabalho à arte de construir jogo. Rui Patrício foi mais uma vez decisivo ao evitar um golo certo de Higuain.



Mais uma vez, não se segurou a vantagem até ao fim - tal como em Turim, o Sporting conseguiu estar em vantagem no marcador, mas não a conseguiu manter até final. No caso do jogo de ontem, o golo sofrido acaba por complicar bastante as contas para a qualificação para a fase seguinte da Liga dos Campeões. Não que isso fosse uma obrigação, mas o facto de termos estado tão perto de conseguir a vantagem no confronto direto com a Juventus acaba por deixar um travo amargo num resultado que não pode deixar de ser considerado positivo.

Quebra física - Ristovski, Bruno César foram os primeiros a quebrar, o que acaba por ser natural, se considerarmos a escassa utilização que têm tido. Gelson Martins e Bas Dost acabaram o jogo de rastos. Acuña e Bruno Fernandes, em função do tipo de tarefas que lhes foi exigido e do tempo de competição acumulado nas pernas, também devem ter terminado em dificuldades. Se a Juventus tivesse mantido o ritmo após ter marcado, creio que teríamos passado uns minutos finais muito complicados.



Foi uma noite gira, com um excelente ambiente no estádio, e não farão mal nenhum ao clube os €500.000 que o empate valeu. Mas o mais importante, para mim, foi a transposição daquela barreira psicológica da derrota tangencial contra os tubarões europeus, e também a resposta dada pelos jogadores que habitualmente não são titulares. Há motivos para sentir satisfação com a exibição e o resultado de ontem, mas agora há que recuperar fisicamente e capitalizar o que de bom aconteceu para aquilo que verdadeiramente interessa: a receção ao Braga para o campeonato.