sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A análise de José Manuel Antunes e BTV às contas do Sporting

Chamaram-me ontem à atenção para uma análise feita num programa da BTV, chamado Lanças Apontadas, onde foram apresentados alguns números sobre as contas do Sporting. O autor dessa análise chama-se José Manuel Antunes e, como não poderia deixar de ser, foi uma análise muito crítica a Bruno de Carvalho e ao R&C apresentado pelo Sporting... mas também carregada de incorreções e omissões que têm sido repetidas em vários espaços benfiquistas. Como tal, devem ser esmiuçadas com detalhe.

Vamos a isso.



I. "Nestes quatro anos de gestão de Bruno de Carvalho, o passivo aumentou 100 milhões de euros"


Bruno de Carvalho assumiu funções em março de 2013. Como tal, pouco pôde fazer para acertar as contas de 2012/13 - que termina em junho de 2013 -, pelo que devemos considerar o R&C de 2012/13 como ponto de comparação com o período pré-BdC. Vamos ver se os números dos documentos coincidem com os "números surreais e factuais" de José Manuel Antunes:


Afinal não foram 100 milhões. Factualmente, o passivo aumentou 52 milhões. Metade, portanto. Mas José Manuel Antunes "esqueceu-se" de referir que, no mesmo período, os ativos mais que duplicaram: subiram de 139 milhões para 316 milhões. Coisa pouca.

Claro que poderão dizer que, neste mesmo período, o Sporting emitiu VMOC's no montante de 80 milhões de euros, que foram retirados do passivo e transferidos para o capital próprio. É verdade, isso de facto aconteceu no âmbito da reestruturação financeira, mas também é verdade que, aquando dessa mesma reestruturação, a SAD do Sporting absorveu a SPM, que tinha cerca de 170 milhões de passivo (para apenas cerca de 106 milhões de ativos).

Ou seja, José Manuel Antunes refere um aumento de 100 milhões de passivo - que é falso - para tentar insinuar que as contas do Sporting pioraram desde que Bruno de Carvalho é presidente - que também é falso. Começamos bem.

José Manuel Antunes também poderia ter aproveitado para falar dos 435 milhões de passivo (dos quais 298 são dívida bancária e obrigacionista) que o Benfica tinha a 31 de dezembro de 2016, mas aparentemente não teve tempo.


II. "As contas podiam ter sido apresentadas mais tarde"


José Manuel Antunes critica a data de apresentação das contas. Segundo o comentador, foram divulgadas como manobra de propaganda, para aumentar a popularidade da direção do Sporting. "Podiam ser apresentadas 3 meses mais tarde", segundo o comentador benfiquista.

As contas do Sporting que, como sabemos, resultaram num lucro de 30 milhões - o maior lucro de uma SAD até à data -, foram apresentadas no dia 7 de setembro de 2017 (uma quinta-feira).


Apresentar contas a 7 de setembro é um mistério, caro José Manuel Antunes? Comparemos então com as contas da época anterior, em que o Sporting apresentou um prejuízo de 32 milhões de euros:

Portanto, o Sporting apresentou 32 milhões de prejuízo no dia 8 de setembro (também uma quinta-feira). Muito mais tarde, como se vê... Imagino que a apresentação de contas más na mesma altura do mês também se tenha devido a uma "necessidade de algum pico de popularidade".

Uma pesquisa rápida ao site do Sporting permite ver que é habitual apresentar as contas anuais precisamente neste período do mês de setembro, como se pode ver no quadro abaixo.


Não só devia ter vergonha da ignorância que revela, como ainda tem a distinta lata de falar em "cosmética total", quando a única cosmética total que vejo aqui é a cor do cabelo do senhor Antunes.


III. Passivo aumentou "60 milhões neste último ano"


Estes números soltos só dão vontade de rir, tal o absurdo da narrativa: José Manuel Antunes, como seria previsível, mete as VMOC's no meio da conversa sem considerar a fusão com a SPM, e atira já para os 250 milhões de aumento de passivo. Sendo que, segundo o comentador, 60 milhões terão aparecido ao longo da última época.

Neste último número, acertou. De facto, o passivo do Sporting aumentou 60 milhões, o que, isoladamente, não quer dizer nada. Esse aumento de passivo explica-se, sobretudo, com o aumento da rubrica de fornecedores. O Sporting investiu no seu plantel e gerou um saldo a pagar aos clubes a quem contratou.

Um aumento do passivo seria preocupante se indicasse sinais de que o Sporting se pôs a gastar dinheiro que não tinha - que se refletiria, também, num aumento da dívida bancária e obrigacionista. Mas, na realidade, o Sporting baixou a dívida bancária e obrigacionista em 5 milhões (de 132 para 127 milhões). Isto significa o quê? Que o Sporting investiu usando dinheiro que gerou com as vendas de jogadores, como Slimani e João Mário.

Aliás, isso é perfeitamente visível olhando para o outro lado do balanço: os ativos da SAD aumentaram, no mesmo período, 92 milhões, graças, sobretudo, ao saldo de clientes (por causa das vendas de jogadores) e ao aumento do valor do plantel.


IV. "Os milhões antecipados da NOS"


José Manuel Antunes diz que o Sporting antecipou 60 milhões do contrato da NOS (30 milhões no ano passado mais 30 milhões este ano). Mais uma vez, usou uma forma habilidosa de pôr a questão.

O Sporting, em 2015/16, tinha cerca de 30 milhões de receitas antecipadas... que entretanto venceram e foram pagas à entidade bancária que nos facultou esse adiantamento. Entretanto, em 2016/17, o banco renovou essa linha de crédito, usando receitas do ano seguinte. Quero com isto dizer que os 30 milhões não se acumularam. Foram adiantados, pagos, e novamente adiantados. O Sporting tem 30 milhões de receitas antecipadas, ponto.


Como se pode ver no quadro acima, o valor cresceu marginalmente em relação a 2015/16. Não acumulou. Não são 60 milhões, como diz José Manuel Antunes, o Sporting tem 29,955 milhões de receitas antecipadas. Nunca é uma situação positiva antecipar receitas, mas também não se deve diabolizar o factoring como se fosse pior do que qualquer outro tipo de empréstimo. Aliás, como se pode ver, a taxa de juro que o Sporting paga pelas receitas antecipadas é de 3,25%, muito mais baixa, por exemplo, do que a taxa do empréstimo obrigacionista que contraímos há dois anos...


...  e também mais favorável do que a taxa de juro do empréstimo obrigacionista de 60 milhões (olha que giro... 60 milhões) que o Benfica contraiu este ano.



É um daqueles casos em que se aplica na perfeição aquele célebre desabafo de Scolari: e o burro sou eu?


V. As receitas penhoradas pela Doyen


Lá vem, mais uma vez, a lenga-lenga da Doyen. O Sporting assumiu os prejuízos da perda do processo da Doyen em 2015/16, quando colocou no passivo uma provisão de 14,991 milhões de euros. A partir daí, a questão passou a ser unicamente de tesouraria. Todas as receitas geradas nas competições europeias pelo clube, penhoradas ou não, são receitas do Sporting e incluídas, como não poderia deixar de ser, nas contas do Sporting.

Já agora, espero que José Manuel Antunes fixe a informação de que a UEFA já reteve os tais 17 milhões na totalidade (apesar de a dívida do Sporting ser inferior a isso). Ouvindo alguns benfiquistas, até dá a ideia de que o Sporting continuará a ter todas as receitas da UEFA penhoradas ad eternum...



VI. "Quando o Sporting vende um jogador (...) metade vai para a banca"


Começo por dizer que interpreto o valor da transferência de Adrien quase da mesma forma que José Manuel Antunes. Para mim, é uma venda de 20+5 que dará um rendimento à SAD de 20,5+5. Vou tentar explicar da melhor maneira que consigo.

O Leicester vai pagar 20+5. Acabam aí as responsabilidades do clube inglês. Em relação aos 4,5 milhões poupados, 500.000€ fazem parte do passivo (ou seja, é um custo que já foi assumido e contabilizado no passado) e terão de ser anulados com a venda, contribuindo por isso para um lucro extra de 500.000€ no exercício de 2017/18. Os outros 4 milhões são apenas um custo potencial que se evitou e que ainda não estava assumido nas contas.

Ou seja, esta poupança de 4 milhões permite transformar um rendimento que seria de 15,5+5 numa receita de 20,5+5. O Sporting insiste na versão dos 24,5+5, mas não me parece que esteja correta. Só seria uma receita de 24,5+5 caso tivesse também tivesse assumido previamente o custo dos tais 4 milhões (através, por exemplo, de uma provisão para acautelar uma perda provável futura), mas os passivos contingentes relacionados com despesas de vendas futuras não são, tanto quanto sei, reconhecidas no balanço. Há apenas uma nota informativa na secção dos passivos contingentes, mas que não fazem parte das contas. Posso estar enganado, claro, mas não encontrei qualquer referência no R&C que me leve a concordar com a versão apresentada pelo Sporting.

Mas de resto, José Manuel Antunes volta a meter os pés pelas mãos. Números, definitivamente, não é com ele. Diz que quando o Sporting vende um jogador acima de 5 milhões de euros, 50% vão para a banca. Segundo as suas contas, como Adrien vai render 20 milhões (ficando 15 milhões acima do tal limiar de 5 milhões), então 7,5 milhões vão para a banca, e o Sporting só recebe 12,5 milhões - um pouco menos do que o Benfica recebeu por Mitroglou, acrescentou no fim.

A forma pseudo-conhecedora como José Manuel Antunes fala chega quase a ser hilariante, tal o chorrilho de disparates que saem daquela boca. No acordo quadro entre Sporting e banca pode ler-se isto:


O Sporting vai receber do Leicester os 20 milhões na totalidade (deduzidos das eventuais comissões e despesas que possam ter existido), mais os 5 milhões caso os objetivos sejam cumpridos. Em julho de 2018, ou seja, daqui a cerca de um ano, terá de usar 30% da mais-valia gerada (e não da receita, são coisas diferentes) para reembolso da dívida bancária. Não é dinheiro jogado fora: é dinheiro que abaterá passivo bancário. Para além disso, também em julho de 2018, outros 20% das mais-valias serão colocados numa conta de reservas destinada ao pagamento das VMOC's, abatimento de dívida bancária ou despesas manutenção do património imobiliário - conta essa que é propriedade do Sporting. Esse dinheiro continua a ser do Sporting, e só o Sporting tem o poder de decidir quando utilizá-lo.

O Sporting receberá sempre o montante total da venda, simplesmente comprometeu-se a usar uma parte para cumprir com as suas obrigações com empréstimos. É um mecanismo que acaba por garantir que a dívida irá de facto ser abatida. Considerando a situação em que estava o Sporting há uns anos e percebendo a importância de se ir reduzindo a dívida, vejo este compromisso como uma segurança, e não como um problema.

Portanto, já que a comparação foi feita por José Manuel Antunes, o Sporting vai receber mais com Adrien do que aquilo que o Benfica recebeu até ao momento com Mitroglou.


VII. Os salários dos jogadores do Sporting


Nestas contas não estão ainda os salários de Coentrão, Doumbia e Mathieu. É verdade, nem deveriam estar, visto que só iniciaram a sua ligação ao Sporting a partir de julho de 2017. Não sei como José Manuel Antunes chegou aos 10 milhões de salários (não existem informações públicas sobre os vencimentos desses jogadores), mas vamos dar de barato que é verdade. A ideia deve passar por insinuar que os custos com pessoal vão disparar... mas se é verdade que há jogadores a entrar, também existem jogadores a sair. Adrien, Campbell, Markovic, Castaignos, André, Schelotto, Zeegelaar, Jefferson, João Pereira, Beto e Paulo Oliveira não estavam propriamente a jogar em regime pro bono.

Agora, dizer que no Benfica o jogador mais bem pago é Luisão e que só recebe 2 milhões, só pode ser comentado da seguinte forma:

Ahahahahahahhahahahahahah!

2 milhões, só se forem limpos, que equivale a mais de 4 milhões brutos - que vários jornais dizem ser o teto salarial do Benfica. Teto salarial, esse, que Luisão deve partilhar com outros "juniores", como Jonas, Júlio César, Carrillo ou Salvio. Zivkovic, que veio a "custo zero", também deve jogar por um par de gomas e um punhado de rebuçados. Jiménez, o senhor 22 milhões, é outro que deve ganhar pouco.

Mas isso levou-me a procurar os documentos revelados pelo Football Leaks, e encontrei outras coisas engraçadas, no que toca a salários:

Taarabt, esse craque que tão útil tem sido para o Benfica, ganha 2,3 milhões brutos por ano. Jovic, um jovem que Zahavi impôs ao Benfica por 6,6M (muito provavelmente integrado no negócio Carrillo) e que passou a maior parte do tempo na equipa B, ganha 0,6M anuais. E Ola John, esse jogador Doyen que já não conseguem impingir a ninguém, vai receber do Benfica este ano...


... a bonita verba de 1,8 milhões de euros.

Alguém quer um gelado na testa? José Manuel Antunes encarrega-se de os distribuir.


VIII. A contratação de Acuña


Sim, dizia-se que Acuña tinha uma claúsula de rescisão de 8 milhões (se era em dólares é possível que não seja um valor fixo em euros). O Sporting anunciou que o jogador foi contratado por 9,6 milhões de euros (e não os 10,2 milhões referidos por José Manuel Antunes). A isso há-de acrescer uma eventual comissão e prémio de assinatura.

A questão é que as contratações de clubes argentinos devem ser acrescidas de 15% do valor, que é entregue ao jogador. Ou seja, se a cláusula era mesma de 8 milhões, então o Sporting teria de pagar mais 1,2 milhões para além da cláusula - o que subiria o valor para 9,2 milhões.

De qualquer forma, é um assunto que não tardará a ser esclarecido: o Sporting divulga sempre, e detalhadamente, os valores das suas contratações - incluindo comissões e prémios de assinatura. Já outros clubes... bem, não vale a pena referir qual é o clube menos transparente no que toca a este tipo de informação, não é?


EPÍLOGO: Quem é José Manuel Antunes?

José Manuel Antunes foi vice-presidente do Benfica entre 1997 e 2000, e era responsável pelas modalidades amadoras do clube. Fez, portanto, parte da equipa do inesquecível João Vale e Azevedo, o que, como devem calcular, não é o melhor cartão de visita para um ex-dirigente desportivo, e muito menos lhe dá credibilidade para falar de contas de outros clubes. Uma coisa boa se pode dizer de José Manuel Antunes, no entanto: parece ser uma pessoa leal e amiga do seu amigo.


José Manuel Antunes estava disposto ir até ao fim com Vale e Azevedo. Acredito que haja muitos adeptos de outros clubes com imensa pena de que os sócios benfiquistas não tenham deixado José Manuel Antunes acabar o trabalho que começara três anos antes.


"O homem da formação económica sou eu", diz. Olhando para o currículo como dirigente do Benfica e para o que disse neste programa, talvez se deva antes auto-intitular de "homem da desinformação económica"...